Documento internacional evidencia contradições brasileiras
Henrique Costa, para o Observatório do Direito à Comunicação 16.05.2008
A Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc) divulgou no último dia 5 de maio documento que pretende estabelecer novos parâmetros para a elaboração, aprovação e implementação de leis sobre radiodifusão comunitária. A Declaração de Princípios para Marcos Regulatórios sobre Radiodifusão Comunitária [clique aqui] foi construída a partir de uma pesquisa sobre melhores práticas nas legislações sobre radiodifusão, que se debruçou sobre o marco regulatório de 26 países nos cinco continentes. Se existem países que podem estar próximos ou almejam efetivar esses princípios, o Brasil, definitivamente, não está entre eles. Pelo menos esta é a opinião da seção brasileira da Amarc.Se compararmos ponto a ponto o documento da entidade com o que facilmente se constata na realidade brasileira, não será difícil chegar a tal conclusão. A Amarc define três diferentes modalidades de radiodifusão, a pública/estatal, a comercial e a social/sem fins lucrativos, onde se incluiriam as rádios e TVs comunitárias. Como sabemos, para além da segunda pouca coisa existe no Brasil. Acesso a tecnologias, reserva de espectro, organismo regulatórios independentes e transparência nas concessões de outorgas também são elementos ausentes na paisagem da radiodifusão tupiniquim.O documento da entidade procura atribuir uma base regulatória para o cumprimento de umas das recomendações da "Declaração sobre Diversidade na Radiodifusão" elaborada em dezembro de 2007 pelo Relator Especial de Nações Unidas sobre Liberdade de Opinião e de Expressão. Ele reúne 14 princípios elaborados a partir de padrões internacionais de direitos humanos subsidiados pela ONU, onde se afirma que a radiodifusão comunitária deve ter acesso incondicional à publicidade e recursos técnicos e procedimentos eqüitativos e simples para a obtenção de licenças.Para Gustavo Gómez, diretor do Programa de Legislações e Direito à Comunicação da Amarc – América Latina e Caribe (Amarc-ALC), o Brasil é um paradigma no desrespeito ao direito à comunicação, sobretudo em relação à radiodifusão comunitária. “Se tomarmos os “Princípios” como uma referência internacional e um indicador do grau de vigência da liberdade de expressão em nossos países, o Brasil é um dos países que mais se afasta de seu cumprimento, apesar de ter uma Lei de Radiodifusão Comunitária desde 1998”, afirma, concluindo que o simples reconhecimento legal não é suficiente. “Sua legislação é discriminatória e exclui a maioria da população brasileira de ter acesso aos meios de comunicação em igualdade de oportunidades”.País modeloSofia Hammoe, da Amarc-Brasil, é veemente ao afirmar que o caso brasileiro está longe dos parâmetros internacionais e, mais ainda, dos princípios destacados pela entidade. “Na verdade, todos os 14 pontos estão muito distantes. Quase tudo está em conflito. Existe uma parcialidade tanto nos marcos quanto nas políticas públicas”. A coordenadora da entidade acha ainda que, se tivesse que escolher a questão mais preocupante, o que não é simples, as questões técnicas e o acesso a recursos seriam destacados. Afinal, como lembra Sofia, “estas também são questões políticas”.A conjuntura brasileira, quando se trata da radiodifusão, é aparentemente favorável. Desde 1995, os governos FHC e Lula têm se mostrados simpáticos e abertos a causa das rádios e TVs comunitárias. No entanto, pouca coisa mudou na prática. Para Sofia, os sucessivos governos ficam apenas “no discurso”. Por isso, ela acredita que é mais eficaz no momento a luta em âmbito internacional. “Apresentamos o caso brasileiro na OEA (Organização dos Estados Americanos) e lá tivemos uma audiência com o governo. Mas ainda faltam várias etapas até se chegar a uma denúncia formal”.Gustavo Gómez lembra ainda da influência do poder econômico e da omissão brasileira em relação aos tratados internacionais. “As rádios comunitárias nem sequer estão protegidos contra as interferências dos meios comerciais, mesmo quando contam com autorização, violando princípios internacionais básicos da gestão do espectro firmados pelo Brasil nos marcos da UIT (União Internacional de Telecomunicações)”, afirma o diretor da Amarc-ALC.Sofia acredita que só com a organização da sociedade brasileira haverá avanço na questão da radiodifusão comunitária. “A sociedade também tem que contribuir para a efetivação desses 14 pontos. O ideal seria que o cidadão pudesse fiscalizar o cumprimento de seu direito à comunicação, mas ainda falta muito”, completa.